quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Cheiro ruim


Um caranguejo vermelho se esmerava em não cair do tronco ao avistar o suntuoso peixe vagando oportunista. Nas vísceras da lama comera carne podre de outro peixe de noite na maré baixa. Adormeceu seus olhos antenados no fundo. As formigas compunham o micro-mangue dos olhos. Uma canoa cortava a água suave, e o tempo do remador era próprio do mangue. Ele tinha a manha, metia a mão fundo nos buracos, o braço inteiro. Por mais que fosse grosso o coro de sua mão, a pincelada do caranguejo dói. QUando sua mão se aproxima do vermelho ser ele agarra um tanto de lama e atola nos olhos antenados do caranguejo, que morre agonizando na água fervente. O mangue alimenta o caranguejo que alimenta o remador que cagou no mangue.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

MA PLESSIS


Desde que nasci morei numa pá de cidade, uma dezena talvez. Casas então, incontáveis mudanças. Uma lembrança que tenho da infância é minha mãe entre várias caixas e jornais, embalando nossa tralha. São Paulo, Campo Grande, São Paulo de novo, Mairiporã, Petrópolis, Saquarema, Niterói, São Paulo, Macapá, São Paulo.
Nessa peregrinação desvairada eu não fixei muitas raízes, mas as criei voadoras, que se fixam em tipos diversos de solo. Infância plástica e ensolarada. Muitos lugares formam o traçado que fez eu. Mas embora eu tenha dificuldades em me firmar paulistano, em ser feliz no cotidiano da metrópole depois de conhecer outras vidas, meu lugares são paulistanos. Os lugares que mais me dizem coisas de mim mesmo.
Saía eu da casa de meu amigo té, e vagava por uma rua tranqüila das perdizes. Ao longe, avistei dois prédios, um no qual minha vó comprou um apartamento com meu vô ao chegarem no bairro, acho que entre fins dos anos 70 começo dos 80. (no lugar da Sumaré, havia um córrego, disse vovó). Outro no qual morou minha tia. Nesses dois apartamentos moram minhas lembranças distantes da infância, natal, brincadeiras, tardes com a vó. Ali convivi com meu vô, ali eu morava quando ele morreu. Ali eu conheci os primeiros brothers quando voltei a São Paulo, com 11 anos, que persistem até hoje. Ali briguei, apanhei, bejei na boca, provei da vida adolescente.
De uns anos pra cá, um outro lugar que virou meu pra mim em SP é a Barra Funda. Gosto da Barra Funda. Primeiro minha mãe alugou uma casa na Lopes Chaves, onde faz sua feijoada já tradicional. Numa casa que já nos chegou com história, já que meu sogro na época brincara por aquele quintal quando infante, e povoou a memória então vazia para nós daquele espaço. Morei então na mesma Lopes chaves, por quase dois anos, com meu amigo Paulo.
Regresso de Macapá, cá estou de volta, na tranqüila e provinciana rua Camerino. Meu irmão já trabalhou em seu estúdio na Vitorino Carmilo, hoje na Marcondes Salgado, outro que intervém em memória na minha relação com um espaço do qual aos poucos me aproprio. Gosto de ouvir sambas de Geraldo Filme falando do largo da Banana e sentir que hoje me diluo um pouco nesta história. Pertencer é se diluir, recorrer aos outros na busca de eu que se renova sempre, se aprofunda.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009


Um lugar é o que ele é para as pessoas que nele habitam, que o dotam de sentido e que dota a eles de sentido. Sentido pelas identidades que se constroem, pelas relações e pela história que existem no e em função do lugar. Lugar antropológico, que nos diz coisas, no qual somos quem somos e fazemos o que fazemos com os nossos pares.
Quando chegamos num lugar que não conhecemos, muitas nuanças percebemos, muitas nos escapam. Ver as pessoas, ver a vida que levam de acordo com os nexos que lhe são próprios, é um exercício grandioso de aprender com o mundo, o mundo dos outros, que nos faz refletir, questionar e reinventar o nosso mundo. Isso é a viagem profunda, se permitir tentar estar no “lugar” do outro. Enxergar o lugar pelos olhos dos que nele são a gente. Tentar pensar as coisas pelas ferramentas que são do outro, tentar identificá-las. Exercício de sensibilidade, de abertura, de malhação espiritual. Assim viajar é como ler um livro, mas um livro que corre sangue nas veias, que tem cheiros e cores.
Mas em geral não é assim na categoria “turismo” de nossa sociedade do hiper-consumo. Turismo de uma repetição exaustiva do eu num local bem aceito pela nossa moda construtora de identidades efêmeras. Fotos de eu, com vários fundos variados. Viagens que buscam EU, comprar um pacote é comprar uma tentativa de rechear sua alma, como se imagens fossem a matéria prima do espírito. Imagens fugidias e de pouca profundidade.
Um dinheiro gasto que ajuda a comunidade local, que gera empregos no verão, que pode aproximar estes desfavorecidos de nosso mundo dos fetiches fantásticos da alegria consumível. Mas e o lugar que você visitou, como era? O que ele é para quem nele vive, ou seja, quem é que vive lá, para além do motorista do barco, do garçon, e do sotaque que nos é simpático?
Vi um desfile de uma paulistanidade que busca recheio para sua alma e temas para sua estética. A transposição do nosso lugar para um pano de fundo diverso, a repetição de nossas vidas – patologias e trunfos – noutra paisagem. Transposição envernizada, que pouco se abre ao outro e que busca apenas nas relações de consumo adornar sua alma com itens exóticos.