segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Pajé_lança


"O treinamento do pajé é muito difícil. Tem que sair correndo daqui e ir por debaixo do rio. Tem que correr em cima da árvore. Ir dentro da montanha e sair, sempre tem que sair, senão ele morre". Assim o jovem justificou o porque não seguira o conselho do sogro para se iniciar na atividade xamânica.

O pajé tem o poder, a possibilidade, de transitar entre as naturezas diversas, de ver as coisas pelas óticas dos outros seres. Os outros seres são humanos também, e não o vemos como tal porque assumimos para nós a condição de humanos, o que faz deles, bichos, para nós. O pajé pode ir na aldeia das queixadas e as ver como são para elas mesmas, pessoas. Pode, assim, se transformar em bicho. A cultura é universal e as naturezas são particulares.

Por esta sua liberdade de trânsito, o pajé é temido e procurado, já que ele pode transfigurar pelas dimensões e agir como intermediário nas sempre necessárias relações xamânicas. Ele vê o espírito que me faz mal, diagnostica sua ação e intercede junto a ele. Mas é também perigoso, pois pode atrair sempre estas mesmas ações para as quais tem a cura.

Ninguém é Pajé, mas TÊM pajé. O pajé é a substância espiritual que ele carrega e alimenta dentro de si. Vários resguardos são necessários durante sua preparação, necessários para o processo de aproximação das entidades sobreculturais. Tais seres não gostam de cheiro de sexo, então não se faz sexo nem se fica próximo a quem o fez. Não gosta de cheiro de menstruação, então toma-se distância das mulheres. e muitos outros que desconheço. Quando atinge pouco a pouco em seus sonhos a proximidade com o espírito, um dia o encontra. Num sonho, o (s) espírito(s) se apresenta na forma de uma bela mulher, disposta ao sexo. Deste sexo se gera um espírito que a pessoa internaliza, têm-se pajé. O sinal da presença do pajé é então acordar e perceber o esperma em sua roupa, sua rede. Manter este espírito em si depende ainda da rigidez dos resguardos e de alimentá-lo muito, e ele gostada fumaça. Então se fuma muito, isolado numa cabana longe da aldeia.

Quem tem pajé ainda atua em paralelo com os enfermeiros. Um Tylenol e um canto para espantar a Sucuri que enrolou em sua cabeça. Uns crêem mais, outros não crêem, outros se arrependem porque não creram.