sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Monocultura, território e um trajeto de carro

Na esteira dos processos de mudança no uso e ocupação do solo, muitas outras mudanças em geral ocorrem na vida das pessoas. Mudanças na forma como vivem e nas relações que estabelecem com o território, com a natureza, com o lugar. Recentemente, por meio de uma experiência profissional, pude conhecer uma realidade nova, e ver algumas coisas de um processo de transformação desse tipo.
No leste do Mato Grosso do Sul, fronteira com São Paulo, a pecuária se estabeleceu ao longo de algumas décadas como atividade predominante na paisagem e na economia. Depois do passado indígena que foi ali praticamente erradicado da memória geográfica, a agricultura familiar dos primeiros colonos foi aos poucos dando lugar às grandes fazendas de gado. Com o maior capital atrelado a esta atividade, aos poucos foi se construindo uma infraestrutura precária de suporte, conformando uma nova disposição do espaço. Estradas principais e vicinais, estruturas de beneficiamento e transporte da carne, desmatamento de novas áreas, e uma lógica de residência de pequenas vilas de trabalhadores da pecuária nas fazendas.
A partir de elementos cuja compreensão demandaria um estudo profundo, que seria por sinal muito interessante, se pôs em curso no território um processo dinâmico de construção contínua de uma cultura relacionada ao mundo da pecuária. Cultura construída a partir do imaginário de ocupação pioneira de um território ainda de “Mato Grosso”, de apropriação simbólica e de conquista deste território; da prática de trabalho com os rebanhos nos pastos e nos cerrados, de caça e pesca nos vastos rios e matas tão ricas em fauna, até hoje; das referências trazidas pelos migrantes vindos de tantas áreas longínquas; e, principalmente, da convivência entre os elementos desta nova atividade predominante com as características anteriores do espaço – a agricultura familiar, relações mais tradicionais de trabalho e posse da terra, estruturas sociais mais características do tempo pré-pecuária.
A organização do espaço fundada com as grandes fazendas de gado estabeleceu as vilas das fazendas como o padrão de habitação desse universo rural, pequenos centros em relação direta com os núcleos urbanos que, ainda pouco dotados de serviços, serviam de entrepostos comerciais para os gêneros básicos e centros de relações variadas.  Estas vilas eram o centro de um calendário festivo religioso que organizava as principais relações institucionalizadas entre as fazendas, cada lugar tendo um santo padroeiro em cuja festa se tornava especialista, o lugar da festa tal. Entre estas novenas e festas se entrelaçava um tecido social de relações entre famílias, casamentos, intercâmbios, um padrão de sociabilidade rural desse lugar.
Processos econômicos que interligam territórios muito distantes concorreram para mudar muito rápido uma configuração territorial construída ao longo de décadas. Direcionamentos de cima, dos centros comerciais, que trouxeram a estas terras as possibilidades de renderem mais dinheiro para seus proprietários. A grande demanda mundial de celulose, o rápido crescimento da silvicultura no Brasil, encontraram ali naquela região uma terra muito propícia para uma maior reprodução do capital, mais acelerada, e representaram para os fazendeiros um jeito de ganhar mais dinheiro com menos suor. A região se mostrou estratégica para a silvicultura pela disponibilidade de terras em preços razoáveis, pela ampla oferta de água, pela proximidade do rio Paraná como eixo de escoamento da celulose, e pela existência de uma rede de infraestrutura consolidada. A semente do dinheiro voa e encontra as melhores terras para crescer.
Grandes grupos compraram grandes porções de terra no leste do MS e iniciaram uma ampla predominância da monocultura do eucalipto na paisagem. Os fazendeiros antes dedicados historicamente à pecuária receberam propostas de arrendamento, modelo pelo qual ganham valores mensais pré acordados, garantidos e sem risco, e sem trabalho, em troca da concessão de suas fazendas para o plantio do eucalipto.  
Muitos trabalhadores da pecuária procuraram outros rumos, tiveram dificuldades em se enquadrar em uma estrutura produtiva ditada mais pelo calendário corporativo, em uma forma de trabalho que não conheciam. Muitos agricultores foram trabalhar na silvicultura, comemorando as oportunidades de emprego numa grande empresa, em condições melhores das quais se viam abandonados no campo. Muitos migrantes de outras regiões em crise, como a área canavieira do nordeste, vieram em busca de uma vida melhor. As vilas das fazendas se desfizeram. As casas ainda estão lá, algumas usadas pelas empresas como pontos de apoio. Objetos, lugares, ferramentas, crânios de boi, ficam jogados como fantasmas de outros tempos na paisagem, entre as caminhonetes e máquinas agrícolas modernas.

Um motorista me conduz por entre a paisagem repetitiva dos eucaliptos. Mostra um lugar onde passou a infância, onde ia nas novenas, onde sua mãe conheceu seu pai. Mostra restos de matos onde caçava na infância, onde se perdia por dias no mato com os primos, acolá as fazendas onde passava férias. Acelera o carro, tem hora para o curso de gestão ambiental logo mais de noite. Diz que o mundo mudou e ele está tentando mudar também, para não ficar pra trás. 

quarta-feira, 25 de abril de 2012


Cheguei no aeroporto e passei um perrengue, uma longa revista por guardas turcos que não falavam inglês. Pensei em expresso da meia noite, o filme.. Peguei um taxi gente fina que me explicava coisas que eu nao entendia nada. As pessoas em geral falam mal ingles aqui. Nao que o sotaque seja dificil, as pessoas que nao sabem mesmo. Primeiro dia tava ainda num ritmo veloz. Fui no blue mosque, du caralho. O sultao ahmet ergueu essa mesquita para fazer frente a aya sofia, em frente, que foi erguida a principio como igreja crista pelo imperador constantino. Constantino virou cristao por influencia de sua mae, assim como eu. Varias aves voam sobre a mesquita de noite. 
Fui no museu da ciencia e tecnologia islamica e achei absurdos os mapas que os caras faziam so com astrolabio. Tinha um globo com o mapa do mundo conhecido ate entao de 1453. Mas como nessa epoca os caras projetaram num globo? Sabiam que era redondo? Tinha um mapa da costa do brasil do seculo XVI, que projetado em cima do mapa atual tem uma precisao incrivel. Depois fui andar pelos jardins de tulipas, vendo as familias arabes fazendo seus lazeres. Varios turistas de outros paises arabes.
E mulheres de burca, que sao um capitulo a parte. Tem umas burcas que mostram uma parte do rosto e umas que sao TOTALMENTE fechadas. Um mundo black que elas nao vivem. Vi um marido conduzindo a mulher com essa burca como uma cega. Vi outras duas tomando um refri num bar, so com os olhos de fora, levantavam a burca para beber e rapido escondiam seus labios proibidos. Nao julgo, mas dificil aceitar esse lance... Vi uma outra de burca e em baixo aparecendo sua fina canela calcando um tenis nike. Nao sei se as religioes mais extremas vao sobreviver ao intercambio cultural.
Alias isso eu tenho pensado. Que em muitos aspectos o mundo esta ficando mais igual, as pessoas, as culturas. Polemico dizer isso como antropologo, o pessimismo sentimental que o sahlins diz subestimar o poder local de reinterpretar e ressimbolizar a sua maneira a experiencia mais global. Mas quer queira quer nao cada vez mais o mundo partilha dos mesmos simbolos. POr um lado os simbolos globais vao se amazonizando, se enturquecendo, se arabizando, mas numa escala de seducao desigual frente a oferta ocidental de acesso livre. E pra voces, e pra todos, cabem todos, embora seja mais facil traduzir de um jeito particular que eu vou te mostrar. Viajei e estudei pouco pra me aventurar nessas questoes.

Bom, mas fui cortar o cabelo. Findo o corte o cara pegou um isqueiro e me depilou a orelha com fogo. Foi incrivel, mas me queimou um pouco. Queria impor ao meu nariz o mesmo destino, mas o impedi. Grande e vermelho seria demais. Depois envolveu seus dedos em grandes algodoes tornando-os cotonetes e me adentrou os pensamentos da orelha em limpeza profunda. estranhei a intimidade, confesso.

ja vai extenso, os outros dias ficam pra amanha.

  

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Depois de cinco anos que todos sumiram. março de 2017
Um cigarro velho já quase findava queimando o lado de dentro do dedo da mão. Me desperta, no susto, a dor. Meu consciente observa a situação com o olho fechado, cabelo balançando o vento da cara. Cabeludo, usando há cinco anos os melhores cosméticos do planeta de graça. Me habituara a usar os mesmos pertences para pertencer a alguma coisa. Para ter um pedaço daquela solidão que fosse meu. A gente começava a cada um viajar no seu universo particular depois de muito tempo junto. No começo a gente não se separava nunca, por medo, insegurança, o que as vezes foi até um desespero de incredulidade. Depois mais não. A gente se avisava mas saía, andava. Paramos de beber por uns meses, era depressivo acordar de ressaca sem hora pra nada nem prazo de nenhum dia de entrega. Algo a que se entregar. O vício era fácil de se pegar com qualquer coisa. Mas os dias de festa não tinham festividade. Festa sem outro diverso não era bom. Um mix de moradores de rua e de milionários nós éramos. Eu estava andando numa perua antiga que eu achei,`"deluxe". Quis um carro ao qual eu pertencesse também, depois de dirigir sem excessão todos os carros das vitrines da Rua augusta. Onde eram os bairros dos ricos e hoje pobreza e riqueza são nosso boi morto, nossa luz do gerador. Mas a gente sabia que tinha alguma coisa certa no meio daquela completa falta de tudo. Todos são tudo.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

médio xingu, que eu não conheço

As relações dos diferentes representantes da frente de colonização com os grupos indígenas que habitam a região do médio Xingu foram historicamente pautadas pelo controle dos movimentos territoriais destes últimos; pela sedentarização ao redor de postos de assistência e consequente liberação dos territórios à exploração econômica.

As primeiras alterações na ocupação territorial causadas pela presença de colonizadores europeus na região foram fruto dos aldeamentos de missionários jesuítas nos séculos XVII e XVIII. A missão de Tavaquara, primórdios da cidade de Altamira erguida em meados do século XVIII, promoveu a primeira divisão territorial e sócio-cultural envolvendo Xipaya, Kuruaya, Juruna e Arara.

Já entre meados do século XIX e início do século XX, o boom da exploração seringalista trouxe grandes transformações nas relações entre os grupos indígenas. A organização do calendário e a ocupação do território sofreram transformações, com a incorporação em maior ou menor escala desta atividade produtiva. A região do sul do Pará e, mais especificamente, o médio Xingu, apresentava-se durante a década de 1940 como a mais violenta área de conflito entre índios e frentes de penetração nacional, representadas pelos extrativistas de seringa e castanha do Pará.

Outro fator de reconfiguração territorial nesta época foi a expansão para norte de grupos Kayapó pressionados pelo incremento da Pecuária mais ao sul.

No decorrer do século XX, a queda na demanda pela borracha esfriou o ímpeto da extração seringalista. A partir da década de 70 se inicia na região a fase desenvolvimentista que se implementa até os dias de hoje. Dentro do novo paradigma, os povos da região do Médio Xingu foram a princípio tratados menos como integrantes da sociedade nacional, detentores de direitos territoriais originários, e mais como inimigos do desenvolvimento e integração nacional representados pela abertura e exploração econômica dos territórios.

Após a garantia constitucional de seus direitos ao território, entendido como meio ambiente e espaço cultural indispensável à sua reprodução física e cultural, os grupos indígenas do médio Xingu vêm enfrentando o desafio da aplicação destes direitos na prática, na política real. Por serem tais territórios terras onde não se aplica pragmaticamente a lógica do desenvolvimento e da produção, os grupos indígenas enfrentam forte pressão dos que defendem a modernização e o modelo de desenvolvimento econômico em larga escala.

Após os aldeamentos missionários, a exploração seringalista e o desenvolvimentismo dos últimos 40 anos, a região do Médio Xingu entra numa nova etapa da ocupação não indígena do território, com a implementação de grandes projetos e empreendimentos de desenvolvimento. Grandes áreas de mineração, pavimentação de estradas e usinas hidrelétricas são os principais empreendimentos dentro deste novo paradigma de uso dos recursos amazônicos.

Pela grandeza destas empreitas, a dimensão de seus impactos e a rapidez das transformações que desencadeiam são ímpares na história da ocupação colonizadora na região. Após resistirem a formas e ondas diversas de ocupação de seus territórios, muitas vezes redefinindo estratégias e reinventando a si próprios, os grupos indígenas do médio Xingu terão de agora em diante o desafio de compreender a dimensão e a complexidade das transformações sociais, ambientais, econômicas e demográficas da região para poderem elaborar estratégias efetivas de proteção e gestão de seus territórios tradicionais, seja através da manutenção e fortalecimento de sua gestão territorial tradicional, seja através da construção de novos referencias frente aos novos desafios.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Cada casal, cada universo, cada qual (des)igual

Matt dirigia seu busão pelas ruas de toronto faziam já dezesseisanos, ele era simpático e bonachão, um puta dum cara engraçado com um senso de humor de papai noel, ele dirigia por ruas passando por cima dos trilhos de uns bondes que ainda hoje cruzam ruas principais dando um charme sensacional nessa cidade boa do mundo, numa parte do ano ruas cheias de gelo, e no verão um belo de um sol de perto do polo.
 Matt gosta de video games de guerra on-line, ele disputa tiros com pessoas do mundo todo e acha isso fantástico. Ele tem um aquário com vários peixes coloridos todos ele vindos do mesmo lago da África, e tem o maior tesão nessa história. Tem orgulho do uniforme da companhia pública de transporte de TO, mas acha que ganha pouco, salva sua grana sempre sonhando em comprar um novo veleiro, pesquisa vários na net, quer velejar pelo grande lago no verão, seu último barco vendera por não arcar com o preço da Marina, era de casco vermelho.  Gosta de ver fotos suas antigas com motos style. Hoje em dia compartilha várias fotos de antigamente no facebook, fotos fantásticas, de um canadá provinciano.
        Se sentindo sozinho e pensando muito numa mulher do seu lado Matt achava que não se daria bem saindo por baladas, abordando garotas, não era a melhor forma. Teclava. Se apresentava pela NET, escondido atrás da tela e confiando na primeira impressão que causavam suas palavras. Ele confia em seu coração e em suas piadas, e sabe que não é nenhum brad pitt. O império da beleza reverbera ecos inseguros no peito de pessoas por aí. Saiu com algumas pessoas nesses encontros, não sei como se saiu. Mas num desses encontros conheceu marie.

Marie vinha do canadá francês, montréal, e matt do inglês. Marie tinha já seus 50 e poucos anos, e ficava um pouco aflita com o mercado de trabalho para ela no médio prazo, com a idade que tem, sem muitas reservas. Mas nada demas, aflição tranquila, da vida. Trabalhava como vendedora numa grande loja de roupa feminina. Temia a concorrência de chinesas ao seu emprego, dizia que elas topavam trabalhar muito mais por muito menos, e que isso era muita falta de solidariedade corporativa, que iria jogar os salários para baixo e prejudicar todos. Mas eu não achava ela xenófoba. 
Marie adorava o humor de Matt e ria um monte de suas piadas. Ria desleixada do jeito dele de mulecão, e ele se esforçava muito na etiqueta do convívio para reprimir um pouco, um pouco saudável, essa molecagem que vazava de seu olhar. Matt amava o jeito light dela viver. Via o amor dele bombando, acho que ele gostava mais que ela. Eram um casal engraçado, que curtiam a vida num gostoso AP de frente para a praia do lago, woodbine station.  Era um amor simpático de ver de fora. (para quem não imaginava a ativez sexual do casal, foi engraçado ouvir ela gritando numa fria manhã de domingo). 
    Marie trocou Matt por um francês, na versão de matt. Ele ficou arrazadão. Entendo o pessimismo dele na perspectiva de encontrar outra. Fiquei curioso em conhecer o Francês. O que ele tem?
Matt especula um novo barco. Blasfema umas tristezas, e pouca coisa importa nessa vida. 

domingo, 26 de setembro de 2010

Saquarema

São Paulo, Mairiporã, Petrópolis, Saquerema, Niterói, São Paulo, Macapá, São Paulo, Mato - Grosso/Rondônia, São Paulo, sabe-se lá onde. Meu itinerário solto tem sido meio esse. Saquerema foi só um ano e meio ou dois anos, mas parece que foi mais tempo, eu tinha uns 11 pra 12 anos. A gente foi parar lá meio lascado, morar na casa de uma tia avó minha, depois de uns entreveros da vida. Criança não se intera muito das coisas, vai meio como mala na mudança, não conhece as razões mas chega desvendando os lugares. Por dentro, a casa era fria, chão de pedra, decoração pesada. Eu não me sentia muito bem. Mas curtia fechar a porta do quarto, ouvir beatles e jogar paredão com uma bolinha e uma raquete de plástico. Era quente e tinha barata voadora, minha mãe berrava delas. Tinha água de côco toda hora na mamadeira do meu irmão. O que dentro tinha de frio, fora tinha de bom. Pavão, um lago, cavalo, um quintal enorme, depósitos com tranqueiras, gatos, cachorros, codornas, e uma praia da lagoa grande de saquarema. Todo dia eu pescava lá, todo dia eu pegava bagre, só bagre. Um dia fui correr de uma cobra que vi e pisei no esporão do bagre, doeu muito. Eu tinha uns brothas, do bairro, da estrada, de jogar bola de gude e pescar de tarrafa. 
Depois de um tempo as coisas se acertaram pros adultos, pais meus, e a gente mudou pra uma casa nossa. Era incrível, de frente pra Praia de itaúna. Do quarto de cima, dava pra ver o mar, e quando o mar crescia a gente ouvia o rugido dele de noite, a noite toda, quase engolindo a rua. Ai minha vida era boa. A escola tinha um pátio enorme de terra e era na beira da lagoa também. Eu sonhava que um dia ia de canoa pra aula. Jogava taco no recreio. Fazia um puta sol. Ia de bicicleta, BMX que herdei de outro irmão, pela avenida oceânica, beira mar. Ela era de terra. Voltava e de tarde ia pra praia, ia jogar bola com a mulecada, andar de bike por pequenas estradas que iam longe, pegar onda, brigar por pipa, passar cerol, ia longe, em outra praia (da vila), me perdia pelas ruas da cidade. Tempo bom. 

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

flashs de mundos (sub) distantes


A gente descera do avião em Barcelos, Rico Linhas aéreas. Barcelos, Rio negro, Amazonas. Eu era pouco mais que adolescente, novão, novato, no vão, no mato. Não passava nem perto da minha cabeça quantas coisas e trilhas eu viveria ainda na amazônia, que aquilo era só um gostinho, gostoso. A gente seguiu direto pra pousada, ritmo de paulistanos trabalhadores, saímos pela rua procurando e andando, pensando o que seria o trampo. Eu, ali meio de gaiato, ia só seguindo, sacando. Na primeira ida no quintal da pousada, que dava as costas pro Rio Negro, um boto boiou rosa no rio negro e uma Iguana verde passou andando rápido na beira, bem diferente daquelas imóveis dos aquários onde são exóticas. 40 minutos e vimos que nosso ritmo era desconexo ao contexto, alinhamos.

Eu não entendia nada mas tinha uma sede de ver tudo daqueles caras de um mundo tão distante do meu mundo. Numa esquina, eu olhei pra dentro do quarto de uma moça, um flash de vida privada, e tinham várias fotos de homens loiros bonitos das revistas, imagem de nossa senhora, TV, tudo colorido. De noite a gente foi num bailinho brega, uma amostra do que tanto me faria feliz em anos pra frente.

Um padre gaúcho estranho disse que em noites de solidão corria pelado pelos corredores da sacristia. Um casal de Yanomâmis pousou pra fotos depois cobrou, meu parceiro não pagou, pediam shorts.

A gente partiria naquela noite, o barco ia passar sei lá que horas, mais tava atrasado. A gente ficou bebendo na beira do cais. Um boato de que ele atrasaria muito, não se sabe quanto, eu disse ok, vão dormir que eu fico, chegando eu chamo. Chegou de repente, boiando no escuro do rio negro, o capitão sem paciência, que ia partir rápido. Corri bêbado atabalhoado, entrei no quarto, vão bora, não vão esperar, vamo vamo! Luta pra armar redes entre vários corpos, que se batiam no bater da maresia do rio. O brega comendo no Deck de cima.

Eram vários caras a equipe do barco, os homens. Não desciam sozinhos em paragem alguma. Taciturnos, veiácos, juntos. Meu parceiro tinha lábia com bandido, experiência dele, adquirida dos rumos dele. Fez amizade, ganhou a deles e deu a dele, sincero, curioso. Churrasco em São Gabriel, na chegada. Anos antes ganhou muito dinheiro, enchia o barco com cerveja, cocaína e putas, ancorava perto do garimpo, cobrava tudo em ouro. Uma vez por semana descia, para trocar as putas, senão os homens se apegavam a uma ou outra, e havia mortes, ninguém gosta de mortes em seu estabelecimento, a não ser dono de frigorífico.

Agora o negócio era outro. Eram armas contrabandeadas do Suriname subindo no porão do barco. Iam pras Farc na Colômbia. Na volta pasta de coca, pra Manaus. Sub mundo de um mundo grande, esse nosso. Convite pra gente ir junto. Não, claro que não. Eu, pouco mais que adolescente, durmi pensando que eu queria ter ido, que bom que não era eu a tomar as decisões.

A pousada era no meio do rio e as andorinhas voavam de tarde muito para todos os lados.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

FLASH DE MARANHENSES MEMÓRIAS

Em Barreirinhas um primeiro contato coma intimidade de uma casa do norte numas noites dormidas entre o balançar compartlhado das redes. Uma descida de barco entre os capilares braços das reentrâncias maranhenses, onde o mar se alonga na terra pelos mangues adentro. Cozinhando e fumando no porão do barco com meu parceiro. Minha primeira viagem, lembranças de liberdade. dia 30 de dezembro de 99 uma ida de barco num forró em mandacarú. Uma praia que parecia jogada num canto do mundo e troncos retorcidos brotando da areia. Elas eram resquícios arqueológicas da casa dos insetos que foram um dia fincadas na terra. Eu e meu parceiro nos perdemos nas dunas, brigamos no desespero no meio do sol, até que abençoado seja peitamos de novo no rio preguiça, remamos de volta com um casal amigo circense bonitos eles. Dia 31, o da virada, eu vi um milagre na terra, um colorido divino, toda a volta do rio preguiça brilhava de plancton, que só apareceu nessa noite. Incrível. Dormimos aos 15 minutos do dia 1. Meu parceiro escapava dos galanteios de uma mulher feia enquanto lia cortázar. Dona Rosa nos acolheu bem em sua casa, e quando no fim da tarde a gente banhava no poço uns olhos curiosos de moças nos espreitavam por entre as varas da cerca, a gente não sabia bem o que achar daquilo. Meu parceiro tomou uma dentada de rato na ponta do dedão do pé enquanto dormia na rede. Um marinheiro era responsável por um farol num lugar isoaldo, ele era isolado, e amenizava o isolamento com conhaque de alcatrão e leite moça. Pulei no mar do barco e disseram "olha o Mero", ele te come vivo. Nadei apressado com medo.
De volta a Alcântara da festa em Cajueiro não tinha pouso, até que a gente teve uma idéia boa. Pulamo pra dentro da igreja Batista, armamos as redes meio emaranhadas, dormimo mal, um chutando o outro. Depois de partir vimos que esquecemos uma faca querida. Justificamos ao pastor: que esquecmos a faca com um amigo, ligamos pra ele, pedimos que jogasse no galpão da igreja, que a gente pedia pro pastor pegar pra nóis. Parece que ele acreditou, tenho a faca até hoje.
Uma mulher bem negra velha contava dos tempos antigos em alcântara quando eles iam em noite de lua buscar água potável longe pra escapar do sol diurno. Imaginei a pele negra jovem dela brilhando na lua e me apaixonei pelo passado um pouco. Pelas ruínas das histórias dos lugares.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

3 despertares

Tião acorda se coçando, sua roupa da noite é a mesma do dia, dorme numa carroça forrada com colchonete num galpão do lado da casa dos tratores e motores, as galinhas e os cachorros e os colegas em volta dele. Acordar ou estar dormindo são estados parecidos pois seu despertar é o voltar para uma prisão da qual não vê saída. Tião não tem perspectivas para o dia de hoje nem para a vida de agora. Se cair e se cortar no trabalho, morre ali, apodrece antes que alguém descubra.

Pâmela acorda caprichosa, faz charme desde o primeiro espreguiçar. Ela tem 34 anos e ama muito, mas não tem o que amar ainda, por isso tantos gestos e coisas, um aguardo que ela cultiva. Ela se arruma cedo pra ir trabalhar, tem 8 lâmpadas em volta do espelho. Se entristece com as feiúras suas que aparecem bem de perto. mas se produz e se anima. Se veste. Toma seu café curtindo sua intimidade, compartilha consigo mesma, ela foi feita para ser casada, e sabe disso, aguarda em paz.
John Tuffo acorda pensativo, de uma noite longa, e se conforta nos lençóis. O que seu dia vai ter de um pouco chato ele compensa já de manhã no travesseiro, no lençol branco, se renova num berço de quem já é crescido. Pensa no que virou de repente um sorriso perene e ri de canto de boca. Manda um bom dia pra longe, antes de abrir o olho. Tuffo está em construção, e as manhãs são horas importantes de planejamento entre o mestre de obras, os peões, os arquitetos, a publicitária. Tuffo acorda disposto para mais um dia do que ele não esperava e que tanto o faz feliz, um par de olhos que virou seu leste, seu rumo.

domingo, 1 de agosto de 2010

NUMA GALÁXIA DISTANTE...

A comissão inter espécies de localização e proteção de povos auto centrados localiza numa galáxia remota do sistema grau 30 enquadramento X um novo povo isolado. Autodenominam-se "terráqueos", pelo que explica Grenser Glauser, coordenador da expedição que localizou o referido grupo. A descrição destes seres completa está no relatório da expedição, disponível na sintonia intemediária para os de acesso consciente, ou no sistema de conexão geral, para os outros.
Os terráqueos se dividem internamente em muitos grupos, e estabelecem relações variadas de dominação e influência. Entre os seus não se generaliza ainda a identidade geral do planeta, como é comum em seres não contatados. Glauser explica que a identidade planetária toma maior expressão quando se define em relação aos outros. Falam cerca de 6 mil línguas, das quais 5 mil são faladas por pequenos grupos, que mantém estratégias e performances diferenciadas de inserção na coletividade terráquea.
Cada subgrupo terráqueo produz sobre si a impressão de ser a representação fiel da humanidade. Os grupos que estabelecem uma dominação semiótica mais intensa sobre os outros, terminam de ter suas próprias concepções de humanidade interiorizadas por outros, que por sua vez as interiorizam de formas originais e particulares.
Os dados disponíveis sobre estes caras vêm da sistematização produzida pela equipe de Glauser. Ele explica que não foram os primeiros externos ao sistema local a conhecerem aspectos dos terráqueos, a manter contato, infelizmente. Os objetivos gerais da comissão são a desintrusão, a expulsão de outros externos que se infiltram á a décadas e roubam o maior bem dos terráqueos, a consciência, através da manipulação de seus desejos, impulsos e escolhas. E o de chamar para a responsabilidade do coletivo consciente a relação que se estabelecerá com este povo.
O sistema de proteção aos povos isolados traz inúmeros desafios. A idéia prioritária é a de não contato, a de protegê-los de externos inconscientes e de preservar a sua liberdade de rumos. Porém a manipulação imposta por externos nas últimas décadas envolveu lideranças dos terráqueos na dinâmica de abdução das consciências, de forma que a integração própria dos sub-grupos sofre injustiças fruto das distorções nascidas destes movimentos perversos.
O grande desafio a ser encarado pela comissão na construção de uma política para os terráqueos, na aplicação do sistema de proteção à este povo particular, será o de colaborar para a construção de uma consciência local integrada - passo necessário para a realização do contato formal e integrante - que permita aos terráqueos equalizar seus entendimentos acerca de seu próprio planeta. Libertá-los do roubo de energia efetuado pelos que os fizeram quase escravos de si mesmos, alheado-se sem saber de suas consciências, cuja potência fora dissipada para povos piratas. O plano da comissão é de que em 2012 se comece a implantar a proposta de proteção libertadora dos terráqueos.



quinta-feira, 10 de junho de 2010

CAFÉ

Eu era criança eu não gostava de café, achava que era uma boca amarga. Eu brincava umas vezes com uns grãos de café duns pés numa roça da minha tia avó no sul de Minas. Minha mãe tinha e ainda tem um moedor de café, peça de museu, tinha uma gavetinha de onde era para ele sair muído. Eu cheguei de gostar de café já não sei bem quando de lá pra cá, nesse decorrer. Minha mãe deixou sempre um bule pequeno com café numa panelinha azul com água, banho Maria. Minha mãe chama Maria. De uns tempos virou um prazer e uma necessidadedocérebro, um turbina que joga um ar com maior pressão em meu motor. Meu pai trabalhou uns três anos, mais até, com cafés expressos, trabalhando, entre doses e máquinas e estabelecimentos, no Rio de Janeiro, cidade quente. Aqui no norte o café é jogado direto na água com açúcar, só depois que coa. (Cua?). Café não pode faltar no barraco. Café é um instante do dia, uma harmoniasinha sentado.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

AMORES POSSÍVEIS

Sufyan Yane é Nigeriano morador de Xiaobei Lu, china. Migrou da África numa mistura de animação com os euros juntáveis e desespero pela pobreza que o rodeava e perpassava. Casou-se com uma chinesa chama Hanna e tem um menino pequeno, Arafat. Algumas pessoas acham-na estranha por ter casado com um africano, chocolate, como dizem lá. Eles aprendem devagar a conviver um com o outro, estranham umas diferenças, uns modos de ser de outro lugar. Se esforçam no comércio de quinquilharias, querem ganhar dinheiro, ter uma casa boa num bom bairro, conseguir renovar sempre o visto de trabalho de Sufyan. A china tem endurecido com a imigração, fato novo. Hanna teme a nigéria, fica insegura de ir com o filho.

Cida mora na terra indígena taiuborá, nome do povo que a habita. Ela é de outro grupo, dos paroiá. De seu grupo sobrou um casal de primos seus, já velhos, com seus dois filhos. Ela fugira de lá quando sua aldeia foi invadida e massacrada por guaxebas dos fazendeiros. Ficou na mata sozinha por dias, não sabe dizer quantos, até buscar refúgio na casa de beiradeiros na margem do Rio Bola, que a acolheram. Ficou meio de empregada doméstica um tempo entre eles. Um dia a Funai foi avisada, ela passou a morar entre os taiuborá, se casou. Seu marido morreu, ela casou com o irmão dele. Eles vivem juntos hoje, ele é ciumento. Eles parecem ranzinzas, mas dormem abraçados na rede sempre. Elas faz massagem quando ele carrega muito peso.

Moisés é engenheiro florestal. Sempre quis trabalhar no norte do Brasil, ele que é mineiro. Sempre se encantou por florestas, achava que elas eram valiosas, queria trabalhar nelas, com elas, com o povo delas. Conseguiu um trabalho um dia e ficou feliz, foi conhecer pessoas novas, indios, ribeirinhos, se deu bem entre eles. Se esforçava para que seu trabalho ajudasse o meio onde estava. Tirou uma folga um dia e foi visitar o irmão em São Paulo. Falava pouco com o irmão, flutuaram distintos. Foi numa boate, achou o preço absurdo, mas estava com o irmão, ele quis.Conheceu Flora, e o olhar de flora derreteu os pés dele. Suou frio. Flora trabalhava na PriceWaterHouseCoopers. Menina sofisticada e segura de si. Bem plantada no mundo. Flora se despediu dele e eles sem falam as vezes, sonham de longe, sem saber bem por quê, ou como.

domingo, 9 de maio de 2010

planejo por projeto planos, paz, por princípios e possibilidades, particular provisão de pensamentos, paredes perto perfuro para partir, perigo parece pertencer ao porvir, porém persisti em procurar para próprio pertencer ao planeta pelos problemas e pelas paixões perenes.

domingo, 2 de maio de 2010

Rondônia começou a existir quando o pessoal do Cândido Rondon abriu a linha telegráfica, daí o nome. A linha aberta virou a estrada que alcança e corta o estado hoje em dia. O que a região teve de história antes disso, foi história dos habitantes anteriores, os índios, que não merece muito destaque no imaginário nem na cultura daqui. No Amapá, por exemplo, a população foi se construindo aos poucos enquanto sociedade num processo de mescla, de vinda de ribeirinhos indígenas para a cidade, e se juntando ai a forasteiros que foram lá tentar a vida, desde franceses nos séculos antes, até uns perdidos hoje em dia, e a negros escapados da escravidão na guiana. O que resultou foi uma sociedade onde dá pra ver uma história, uma influência do seu passado, apesar da velocidade das mudanças.
Rondônia é diferente. É uma extensão do sul do Brasil, pelo menos pelo pouco que eu vi, tive essa impressão. É raro ver um avô com seus netos nascidos aqui. As referências de passado das pessoas não são enraizadas onde elas vivem, dizem o "na minha terra" localizando o passado noutro espaço. São junções de histórias que não se identificam juntas bem como a história de um lugar. Disso nasce um lugar sem história, que não olha para si como coletivo. As ruínas do posto telegráfico de Rondon são um canto qualquer que quase ninguém sabe que existe.
Como espaço de gente que veio tentar melhorar a vida, ganhar dinheiro, é um espaço imaginado de projeção do desenvolvimento, de anseio econômico, de olhar só pra frente. De não olhar para si - qual si sem passado? - e olhar para fora buscando longe, no sul, suas referências.
Um olhar parcial, meu, que estou aqui a pouco tempo, e meio de mal humor. Ou seja, pode ser pode não ser.