quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Mato Grosso do Sul

Ressaca após cruzar, em viagem de 9 horas, boa parte do sul do mato grosso do sul. CIdade de Mundo novo. Doido esse cara. o mato grosso do sul. Uma grande planície, nada de morros, muito pasto (para pouco boi), umas pequenas manchas de matos pelos meios dos caminhos. Cana chegando forte, tipos como Bill gates e o carrasco zidane estão entre os gringosque compram terras aqui para produzir a matério prima doetanol, biodisel, mesma coisa. Muita terra não cultivada, não sei se passo aqui na hora da entre safra, mas muita terra devoluta. E sem gente, ninguém, as canas parecem tão sozinhas... E olha que os bois não comem cana. Muita gente acampada pelas beiras das estradas. Acampamentos com hortas crescidas, denunciando a perenidade da habitação intermitente. Dá agonia ver aquela terrona aradinha sem nada, e a galera no perrengue. As hortas feitas na beira da estrada são de muito capricho, bem feitas. caras de pessoas sentadas a espera de nada.
Amanhã parto pra Japorã, extremo sul do estado. Reunião na secretaria de educação depois visita as salas de aula na reserva porto lindo, dos Guarani Caiowáa. Vamos ver.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Bela metáfora

Disse minha colega após retornar de uma cidade quente do Piauí, onde, segundo ela, fazia 38 graus de noite:
Parecia que eu tava dentro da boca de alguém

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Rio de rios

Estavam pelos poucos caminhos alguns rios. Não me lembro de todos os rios agora. Acho que o primeiro registro de fio de água corrente que tenho é o Tietê, em estilhaços de flashes de flagrantes de instantes que eu vivi em algum lugar da infância, trepado de certo no banco de trás de algum passatão dos que tiveram meus pais (Passat branco, um verde de farol redondo, um prata). Me lembro de um flash de uma daquelas montanhas-de-fundo-de-rio, assustadoras, nosso lixo, o retrato de nosso avesso. Com pneus e garrafas, sacos plásticos e uma garça perdida. Em saquarema uma vida de lagoa, mas o papo é rio agora. Em Petrópolis corria um rio daqueles de montanha, corrido entre-pedras, com pequenas refugos, nadamos lá umas vezes, mas depois ficou sujo, subíamos o rio umas vezes, vimos macumbas e cacos de vidro, e belas paisagens de bambus entrecortadas por lixos esporádicos e esparsos, esparsados por alguma maré de pé d´água furtivo morro abaixo.
Sempre curti subir rios de pedra a pé, andando pelas pedras, pulando entre elas, tendo que entrar na água em certos lugares, talvez escalar uma pedra. Ir longo no rio sem pensar no voltar, lembrando só da tromba da água. Um elefante surgido da nuvem precipita-se. Na chapada e nas praias do litoral de Paraty andei nesses rios. Rio preguiça, lindo rio de águas negras. Ficou brilhante no dia do reveilón, só no dia do reveilón, com o plâncton brindando de seiva.
Tantos rios cortam o mundo sem parar sem parar sem parar descendo. Perenes.
Rios de praias, sempre no canto, tingindo de continente a vastidão do oceano num cantinho só. Tem sempre o mesmo cheiro, a mesma água fria, a profundidade irrisória, e uma serenidade curta de penetrar, já que logo viram regozijos da serra do mar. Desfritam de tão pouco tempo de calma, na planície costeira, e já se invagina em sal.
Rio Negro se fantasia de céu, pra ele mesmo, sensacional. Negro coca choca, profuuuundo negro de dois dedos de visão, ácido negro de poucos peixes, de margens barranquentas de barro branco, daquele que pisei. De espichadas margens de poucas árvores altas. De infinitos pequenos redemoinhos na confusão de seu fluxo negro. Águas se acotovelam. Rio Tiquié, afluente fiel, que nasce na riqueza simbólica da distância. Vi o povo do rio Tiquié.
Rio Tapajós tem águas azuladas, praias de brancas areias na seca, e tucunarés brilhantes. Terras de guerreiras amazonas, comunidade de mulheres que só aceitava os homes de tempos em tempos, numa grande esta de orgia, onde davam a eles medalhões em formas de pequenos sapos, para que lhes protegesse e garantisse sua volta na próxima balada..
Amazonas. Sem palavras. Universo central de tudo, grande sulco da minha terra, bravio de ondas furiosas e desencontradas, e eu dando encontrões nos colegas das redes ao lado, a cada saculejo. Desembarques de queijos e cubas de grandes peixes, mas chamados ´filhotes´. De habitantes margeiros (marginais?) esparsos, povo que vive espalhado na pequeninitude de ser um homem do lado daquele rio. Refúgio nos bichos parceiros de vida molhada. Amazonas de grandes troncos perdidos no leito como gravetos. De inatravessável medo de naufrágio, me imaginaria indo certeiro para o fim do mundo, nem tentaria evitar, que devia de ser pior querer contrariar o rio. Um mar preto de maré perene. De beira-rio em Macapá, ah o vento do rio...

E o rio onça de tantos banhos reconfortantes.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

trecho

“Policarpo Quaresma, Cidadão Brasileiro, funcionário público, certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; certo também de que, por este fato, o falar e o escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se vêem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos proprietários da língua; sabendo, além, que, dentro do nosso país, os autores e os escritores, com especialidade os gramáticos, não se entendem no tocante à correção gramatical, vendo-se, diariamente, surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do idioma – usando do direito que lhe confere a constituição, vem pedir que o congresso nacional decrete o Tupi Guarani como língua oficial e nacional do povo Brasileiro.

O suplicante, deixando de parte os argumentos históricos que militam em favor de sua idéia, pede vênia para lembrar que a língua é a mais alta manifestação da inteligência de um povo, é a sua criação mais viva e original; e, portanto, a emancipação política do país requer como complemento e conseqüência a sua emancipação idiomática.

Demais, Senhores congressistas, o Tupi-Guarani, língua originalíssima, aglutinante, é verdade, mas a que o polissintetismo dá múltiplas funções de riqueza, é a única capaz de traduzir as nossas belezas, de pôr-nos em relação com a nossa natureza e adaptar-se perfeitamente aos nossos órgãos vocais e cerebrais, por ser criação de povos que aqui viveram e ainda vivem, portanto possuidores da organização fisiológica e psicológica para que tendemos, evitando-se dessa forma as estéreis controvérsias gramaticais, oriundas de uma difícil adaptação de uma língua de outra região à nossa organização cerebral e ao nosso aparelho vocal – controvérsias que tanto empecem o progresso da nossa cultura literária, científica e filosófica”.

Açailândia

Açailândia quase não têm Açaí. Dizem que nas beiras de alguns córregos alguns ainda crescem. mas não há tukano por ali, nem papagaio, que os venha comer na estação que ficam pretos. Açailândia fica no Maranhão, quase na fronteira com o Pará, numa região que se veres no mapa é Amazônica. Imaginei grandes árvores por lá. mas só vi pasto, muito capim para pouco boi. As únicas árvores, eucalipto e mangueiras.
Eucalipto plantado para fazer carvão, muito demandado na cidade já que abriga cinco siderúrgicas, produtoras de ferro gusa. O ferro bruto vem pela ferrovia, das minas da vale do Rio doce em carajás, a fatídica cidade dos 19 mortos. O carvão é usado não para aquecer os fornos, mas entra na composição mesmo do ferro gusa, dá a liga ao metal. Embora uma parte venha de plantação de eucaliptos, a grande maioria do carvão é mata primária amazônica carbonizada, vinda das regiões de expansão agropecuária. Nosso ferro gusa é um dos melhores do mundo pela pureza do carvão, variável importante nas etapas subsequentes de transformação do ferro em aço. Feito o ferro gusa, esse segue para São Luís, e de lá e exportado quase 100% para os EUA, onde vira aço e nutre principalmente a indústria automobilística americana. Não é radical dizer que uma parte considerável da mata paraense está virando carro de gringo.
Nosso ferro concorre competitivamente também no mercado internacional dado os baixos custos de produção. Diversas sidrúrgicas já foram indiciadas por usar o trabalho escravo na produção de seu carvão, diminuindo seu ônus na cadeia produtiva. A base de nosso mato e do sangue dos Maranhenses, agente equilibra a balança comercial e meia dúzia de sulistas empreendedores fazem fortuna no norte braileiro.
As cinco siderúrgicas locadas em açailândia, preocupadas com sua imagem envolvida em escândalos de trabalho escravo, criaram juntas o ICC - instituto carvão cidadão, que visa fiscalizar ascondições de trabalho nas carvoarias. Algumas delas visam a auto-suficiência na produção de carvão, plantando eucalipto em sistema de rodízio. Açailândia tem pastos até onde a vista alcança e pó de ferro no ar. tem também números preocupantes na questão do trabalho escravo.
Pode soar radical de minha parte dizer que alguns produtos brasileiros tem competitividade no mercado internacionalç às custas do sangue de maranhenses e piauienses, mas não é. 25 mil pessoas entram no círculo vicioso do trabalho escravo no Brasil anualmente. Apesar da intensificação da fiscalização, apenas uma condenação até agora, e o réu ainda está solto. O grande bolsão de pobreza do sertão maranhense, piauiense e tocantinense é uma grande reserva de mão de obra explorável, escravizável, descartável, usada para derrubar a amazônia e plantar soja ou pasto, fazer carvão ou tábuas.
Seria impossível um modelo de desenvolvimento cujas riquezas geradas ficassem por perto de sua origem, no caso amazônico? um modelo diferente do ciclo boom-colapso típico da economia amazônica?