quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Rio de rios

Estavam pelos poucos caminhos alguns rios. Não me lembro de todos os rios agora. Acho que o primeiro registro de fio de água corrente que tenho é o Tietê, em estilhaços de flashes de flagrantes de instantes que eu vivi em algum lugar da infância, trepado de certo no banco de trás de algum passatão dos que tiveram meus pais (Passat branco, um verde de farol redondo, um prata). Me lembro de um flash de uma daquelas montanhas-de-fundo-de-rio, assustadoras, nosso lixo, o retrato de nosso avesso. Com pneus e garrafas, sacos plásticos e uma garça perdida. Em saquarema uma vida de lagoa, mas o papo é rio agora. Em Petrópolis corria um rio daqueles de montanha, corrido entre-pedras, com pequenas refugos, nadamos lá umas vezes, mas depois ficou sujo, subíamos o rio umas vezes, vimos macumbas e cacos de vidro, e belas paisagens de bambus entrecortadas por lixos esporádicos e esparsos, esparsados por alguma maré de pé d´água furtivo morro abaixo.
Sempre curti subir rios de pedra a pé, andando pelas pedras, pulando entre elas, tendo que entrar na água em certos lugares, talvez escalar uma pedra. Ir longo no rio sem pensar no voltar, lembrando só da tromba da água. Um elefante surgido da nuvem precipita-se. Na chapada e nas praias do litoral de Paraty andei nesses rios. Rio preguiça, lindo rio de águas negras. Ficou brilhante no dia do reveilón, só no dia do reveilón, com o plâncton brindando de seiva.
Tantos rios cortam o mundo sem parar sem parar sem parar descendo. Perenes.
Rios de praias, sempre no canto, tingindo de continente a vastidão do oceano num cantinho só. Tem sempre o mesmo cheiro, a mesma água fria, a profundidade irrisória, e uma serenidade curta de penetrar, já que logo viram regozijos da serra do mar. Desfritam de tão pouco tempo de calma, na planície costeira, e já se invagina em sal.
Rio Negro se fantasia de céu, pra ele mesmo, sensacional. Negro coca choca, profuuuundo negro de dois dedos de visão, ácido negro de poucos peixes, de margens barranquentas de barro branco, daquele que pisei. De espichadas margens de poucas árvores altas. De infinitos pequenos redemoinhos na confusão de seu fluxo negro. Águas se acotovelam. Rio Tiquié, afluente fiel, que nasce na riqueza simbólica da distância. Vi o povo do rio Tiquié.
Rio Tapajós tem águas azuladas, praias de brancas areias na seca, e tucunarés brilhantes. Terras de guerreiras amazonas, comunidade de mulheres que só aceitava os homes de tempos em tempos, numa grande esta de orgia, onde davam a eles medalhões em formas de pequenos sapos, para que lhes protegesse e garantisse sua volta na próxima balada..
Amazonas. Sem palavras. Universo central de tudo, grande sulco da minha terra, bravio de ondas furiosas e desencontradas, e eu dando encontrões nos colegas das redes ao lado, a cada saculejo. Desembarques de queijos e cubas de grandes peixes, mas chamados ´filhotes´. De habitantes margeiros (marginais?) esparsos, povo que vive espalhado na pequeninitude de ser um homem do lado daquele rio. Refúgio nos bichos parceiros de vida molhada. Amazonas de grandes troncos perdidos no leito como gravetos. De inatravessável medo de naufrágio, me imaginaria indo certeiro para o fim do mundo, nem tentaria evitar, que devia de ser pior querer contrariar o rio. Um mar preto de maré perene. De beira-rio em Macapá, ah o vento do rio...

E o rio onça de tantos banhos reconfortantes.

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