domingo, 26 de setembro de 2010

Saquarema

São Paulo, Mairiporã, Petrópolis, Saquerema, Niterói, São Paulo, Macapá, São Paulo, Mato - Grosso/Rondônia, São Paulo, sabe-se lá onde. Meu itinerário solto tem sido meio esse. Saquerema foi só um ano e meio ou dois anos, mas parece que foi mais tempo, eu tinha uns 11 pra 12 anos. A gente foi parar lá meio lascado, morar na casa de uma tia avó minha, depois de uns entreveros da vida. Criança não se intera muito das coisas, vai meio como mala na mudança, não conhece as razões mas chega desvendando os lugares. Por dentro, a casa era fria, chão de pedra, decoração pesada. Eu não me sentia muito bem. Mas curtia fechar a porta do quarto, ouvir beatles e jogar paredão com uma bolinha e uma raquete de plástico. Era quente e tinha barata voadora, minha mãe berrava delas. Tinha água de côco toda hora na mamadeira do meu irmão. O que dentro tinha de frio, fora tinha de bom. Pavão, um lago, cavalo, um quintal enorme, depósitos com tranqueiras, gatos, cachorros, codornas, e uma praia da lagoa grande de saquarema. Todo dia eu pescava lá, todo dia eu pegava bagre, só bagre. Um dia fui correr de uma cobra que vi e pisei no esporão do bagre, doeu muito. Eu tinha uns brothas, do bairro, da estrada, de jogar bola de gude e pescar de tarrafa. 
Depois de um tempo as coisas se acertaram pros adultos, pais meus, e a gente mudou pra uma casa nossa. Era incrível, de frente pra Praia de itaúna. Do quarto de cima, dava pra ver o mar, e quando o mar crescia a gente ouvia o rugido dele de noite, a noite toda, quase engolindo a rua. Ai minha vida era boa. A escola tinha um pátio enorme de terra e era na beira da lagoa também. Eu sonhava que um dia ia de canoa pra aula. Jogava taco no recreio. Fazia um puta sol. Ia de bicicleta, BMX que herdei de outro irmão, pela avenida oceânica, beira mar. Ela era de terra. Voltava e de tarde ia pra praia, ia jogar bola com a mulecada, andar de bike por pequenas estradas que iam longe, pegar onda, brigar por pipa, passar cerol, ia longe, em outra praia (da vila), me perdia pelas ruas da cidade. Tempo bom. 

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

flashs de mundos (sub) distantes


A gente descera do avião em Barcelos, Rico Linhas aéreas. Barcelos, Rio negro, Amazonas. Eu era pouco mais que adolescente, novão, novato, no vão, no mato. Não passava nem perto da minha cabeça quantas coisas e trilhas eu viveria ainda na amazônia, que aquilo era só um gostinho, gostoso. A gente seguiu direto pra pousada, ritmo de paulistanos trabalhadores, saímos pela rua procurando e andando, pensando o que seria o trampo. Eu, ali meio de gaiato, ia só seguindo, sacando. Na primeira ida no quintal da pousada, que dava as costas pro Rio Negro, um boto boiou rosa no rio negro e uma Iguana verde passou andando rápido na beira, bem diferente daquelas imóveis dos aquários onde são exóticas. 40 minutos e vimos que nosso ritmo era desconexo ao contexto, alinhamos.

Eu não entendia nada mas tinha uma sede de ver tudo daqueles caras de um mundo tão distante do meu mundo. Numa esquina, eu olhei pra dentro do quarto de uma moça, um flash de vida privada, e tinham várias fotos de homens loiros bonitos das revistas, imagem de nossa senhora, TV, tudo colorido. De noite a gente foi num bailinho brega, uma amostra do que tanto me faria feliz em anos pra frente.

Um padre gaúcho estranho disse que em noites de solidão corria pelado pelos corredores da sacristia. Um casal de Yanomâmis pousou pra fotos depois cobrou, meu parceiro não pagou, pediam shorts.

A gente partiria naquela noite, o barco ia passar sei lá que horas, mais tava atrasado. A gente ficou bebendo na beira do cais. Um boato de que ele atrasaria muito, não se sabe quanto, eu disse ok, vão dormir que eu fico, chegando eu chamo. Chegou de repente, boiando no escuro do rio negro, o capitão sem paciência, que ia partir rápido. Corri bêbado atabalhoado, entrei no quarto, vão bora, não vão esperar, vamo vamo! Luta pra armar redes entre vários corpos, que se batiam no bater da maresia do rio. O brega comendo no Deck de cima.

Eram vários caras a equipe do barco, os homens. Não desciam sozinhos em paragem alguma. Taciturnos, veiácos, juntos. Meu parceiro tinha lábia com bandido, experiência dele, adquirida dos rumos dele. Fez amizade, ganhou a deles e deu a dele, sincero, curioso. Churrasco em São Gabriel, na chegada. Anos antes ganhou muito dinheiro, enchia o barco com cerveja, cocaína e putas, ancorava perto do garimpo, cobrava tudo em ouro. Uma vez por semana descia, para trocar as putas, senão os homens se apegavam a uma ou outra, e havia mortes, ninguém gosta de mortes em seu estabelecimento, a não ser dono de frigorífico.

Agora o negócio era outro. Eram armas contrabandeadas do Suriname subindo no porão do barco. Iam pras Farc na Colômbia. Na volta pasta de coca, pra Manaus. Sub mundo de um mundo grande, esse nosso. Convite pra gente ir junto. Não, claro que não. Eu, pouco mais que adolescente, durmi pensando que eu queria ter ido, que bom que não era eu a tomar as decisões.

A pousada era no meio do rio e as andorinhas voavam de tarde muito para todos os lados.