quinta-feira, 8 de maio de 2008

Viagem para Mukuru

Após estar tudo acertado que nos buscariam no Ytape, não tínhamos como subir do Aramirã até lá. Kumare resolveu dar um apoio, após meu pedido público na reunião, e Kavianã nos levou. O rio tava secando mas chegamos rápido.
Seremete estava aflito com minha viagem. “Você não vai chegar”, me disse super animadoramente. Como sempre, eu não ouvira os conselhos de Giu e Felipe sobre os rangos, e levara mais do que devia. Marityu fez um panakõ e arrumou a comida. “eu vô leva”, ele disse.
29/06
Saímos sem muita pressa, o primeiro acampamento não era tão distante do Ytape. Eu tava aflito, a expectativa da viagem era de que durasse oito dias. Oito dias... Fomos Jawaje´a, sua esposa, sua sogra, Marityu e sua esposa, e eu. Piriri, cacique do Mukuru, é sogro de Marityu, que ia aproveitar minha ida para lhe visitar. Apesar do trabalho que eu dou, a vantagem de ir comigo é desfrutar dos cartuchos e anzóis que trago.
A viagem tinha um gosto especial para a sogra de Marityu, cujo nome não me recordo. Ela fora casada com Atõ, Wajãpi de impressionante presença e carisma, liderança do Pypyiny que morrera alguns meses antes de nossa viagem. Ela vira para cá acompanhá-lo. Depois que ele faleceu, ficara uns três meses com o irmão saku, e agora retornava. Por todo o caminho até sua aldeia, Karavôvô, relembrara com saudade a companhia do marido, pelas trilhas pelas quais andaram juntos tantas vezes. Era uma saudade muito sincera, até eu que não o conheci bem senti saudade dele pela saudade dela.
29/06
Eu me canso mais de andar devagar, ainda mais carregando peso. Fui seguindo Jawaje´a e fomos à frente do grupo. Não vimos nenhum bicho neste dia, só rastros de anta e veado. Havia muita lama pelo caminho, que me entrava no sapato e machucava o pé sem meia. Jawaje´a andava muito rápido, e tive de segui-lo pois o resto do grupo estava muito atrás, eu não podia ficar sozinho por ali. Chegamos e me sentei jogado no chão. Andamos até uma 14 horas, era perto. Dei um mergulho num pedaço bonito dum rio pequeno, numa rara parte onde havia um posso descoberto de galhos. Jawaje´a matou uma cobra e pegou um trairão grande. Ele e Marityu fizeram um Tapiri pra gente, dava pra todos dormirem bem espaçados. O filho pequeno de marityu ia pendurado nas costas de sua mãe, então o apelidei de mochila (panakõ). Tinha 3 anos e me ensinava o nome das coisas em Wajãpi, o tempo todo, apontando. Disseram que a onça gritou de noite, eu não ouvi.
30/06
Fomos do Jav~ipytykwerã até o pé da montanha, a caminhada não foi nada que faça morrer. Dormimos num elevado entre dois rios, da minha rede eu via a água correndo. Era o Rio que vai até o Ytape, nascente do Pirima´yty. Água fria, sem trairão. Eu custei muito a dormir, as idéias se embaralhavam na minha cabeça. Tentei me concentrar, com a cabeça desfoca a chance de alguma merda acontecer é grande... Comemos soja com farinha, Jãjã (“irmã”) me contou sobre quando foi pro Inipuku, e como voltou de lá trazida pela FUNAI na época do contato.
1/7
A caminhada foi foda. Jawaje´a carregou minha mochila na subida da montanha, o que foi de grande ajuda. Minha perna tremia muito na trilha e minha lombar deu uma travada feia. Fomos do pé da montanha até o Pe´yryrywyry (“embaixo do Angelim”). Tomei diclofenaco, espero que minhas costas amanheçam bem. Jawaje´a e Marityu perguntam muito sobre São Paulo.
2/7
A idéia era que dormíssemos no Pypyiny, mas chegamos cedo e seguimos pro karavôvô. Entre os dois lugares minha perna bambeia muito. Eu dizia toda hora “não tem tá cansado, não tem tá cansado”, e jawaje´a ficou preocupado, achando que eu tava doido. Ouvimos um tiro, era alguém do Karavôvô caçando. Marityu atirou pra cima, eles vieram ao nosso encontro. Traziam um filhote de Cateto, acertaram sua mãe mas ela fugira. Vimos uma Sucuri muito grande descansando num igarapé, sua barriga tinha dois calombos. Cotia, disseram. Chegamos no Karavôvô e me receberam muito bem. Queriam conversar muito, mas eu só queria minha rede. Tomei um monte de casiri e esqueci a fome, ficando rápido meio porre. Dormi um sono muito profundo no Karavõvõ, embalado pelas cuias de casiri. Sonhei longe.

Continua...

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