terça-feira, 26 de maio de 2009

Isolados


Antes das caravelas de Manoéis e Joaquins por aqui aportarem, nenhum índio vivia isolado. Alguns falam numa população de 5 milhões de nativos, que falavam por volta de duas mil línguas. Este mosaico impressionante de diversidade cultural e lingüística vivia num intercâmbio intenso: guerras físicas e xamânicas, trocas de bens, símbolos, mulheres, em redes de relações que conectavam os tupinambás do litoral aos doidos índios andinos passando pelos rincões longínquos das terras baixas amazônicas. Bens passavam nas mãos de vários povos até chegar a seu destino, num comércio onde muitas vezes a relação era mais importante que o próprio bem. Este fluxo denso de contato existia de tal forma que os povos tinham uma intrincada história de influências culturais mútuas, de “empréstimos” de elementos e de deslocamentos territoriais, de fusão e separação de grupos.
A imagem que temos dos povos indígenas de hoje em dia, desde as décadas passadas onde fomos os encontrando em nossa expansão extrativista, é geralmente fotográfica, ignorante dos processos históricos envolvidos nestas dinâmicas sociais; tal povo habita tal lugar, fala de tal jeito, usa tal roupa. O mosaico dos povos indígenas hoje é resultado da situação que cada um vivia – resultado das relações inter-étnicas sem branco – antes dos contatos conosco, da forma específica como este contato se deu para cada povo e da forma particular como cada cultura reagiu a esse assédio. Não que tenham findado as dinâmicas entre os povos indígenas, mas eles foram gradativamente se ilhando em seus territórios reservados.
Neste contexto histórico, diversos povos evitaram e evitam o contato direto com os inimigos brancos, geralmente com medo em função de experiências de massacres anteriores. Existem no Brasil hoje várias referências de grupos em situação de isolamento em todos os estados da Amazônia, até no devastado maranhão. São povos que vivem uma situação de extrema vulnerabilidade, fugitivos em sua terra, pois estão em geral assentados em ricas reservas de madeira, minérios, e especulação. Lugares sem lei, onde o estado se omite frente o peso dos interesses de um capitalismo que mata o selvagem.
A defesa de seus territórios e os argumentos de quem refuta esta defesa põem em evidência concepções divergentes de desenvolvimento a ser aplicado na nossa floresta. A constituição garante que um povo tem o direito ao usufruto exclusivo dos recursos de seu território original, ou seja, direito aos recursos para garantir sua sobrevivência física e cultural. Sobrevivência graças a um conhecimento milenar, com o qual muito temos a aprender para construir um caminho mediano entre a conservação radical e o desenvolvimentismo fumacento. Dizer que as terras indígenas atravancam o desenvolvimento do país é ignorar o tipo de desenvolvimento que os não índios aplicam em suas terras na Amazônia. Um desenvolvimento bom talvez pro dono, mas não pro Brasil; a opção por enriquecer rápido e deixar um rastro de caos ambiental e social, que não fomenta as bases para um desenvolvimento de longo prazo.

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